Da conjugação dos elementos materiais e espirituais, em evolução simultânea, resulta o clima que permite ao mundo atingir a plenitude do horizonte espiritual, onde a mediunidade positiva se torna a fonte de esclarecimento e orientação dos problemas do espírito. Graças a ela, o homem se emancipa da tutela dos ritos e cultos primitivos.
4
– Mediunidade positiva
Jesus
assinala o aparecimento do horizonte espiritual, marcando o início
de um novo ciclo histórico no Ocidente. Com o seu ensino, amplamente
divulgado e aceito, as grandes concepções do passado, limitadas a
pequenos círculos de iniciados ou eleitos, modelam uma nova
mentalidade coletiva. O Deus Pai de Jesus transcende o Deus Familiar
de Abrão, Isaac e Jacó, supera a natureza tutelar dessa concepção
judaica. Por isso, o Deus evangélico não é guerreiro, mas amoroso
e justo; não faz discriminações, não exige culto externo, não
quer intermediários. Como Pai Universal, o antigo Javé tribal
atinge dimensões cósmicas, é o Deus dos homens e dos anjos, da
terra e das “outras moradas” que existem no infinito.
Paulo,
que exemplifica o drama da transição da consciência judaica para a
cristã, adverte que Deus não deseja cultos externos, semelhantes
aos dedicados às divindades pagãs, mas “um culto racional”, em
que o sacrifício não será mais de plantas ou animais, mas da
animalidade, ou seja, do ego inferior do homem. A religião se depura
dos resíduos tribais, despe-se dos ritos agrários e da complexidade
que esses ritos adquiriram no horizonte civilizado. Torna-se
espiritual. Os próprios apóstolos do Cristo não compreendem de
pronto essa transição. Pedro chefia o movimento que Paulo chamou
“judaizante”, tendendo a fazer do Cristianismo uma nova seita
judaica. Mas Paulo é a flama que mantém o ideal do Cristo.
Inteligente e culto, é um dos poucos homens capazes de compreender a
nova hora que surge, e por isso o Cristo o retira das hostes
judaicas, para colocá-lo à frente do movimento cristão. A religião
espiritual, desprovida de culto externo, iluminada pela razão,
individualiza-se.
O
cristão não precisa do sacramento de um sacerdote, do beneplácito
de unia igreja, mas tão somente da pureza da sua própria
consciência. O rito do batismo, que Pedro exige dos novos adeptos,
juntamente com a circuncisão, repugna a Paulo, que o substitui pelo
“batismo do espírito”, ou seja, a elucidação evangélica,
seguida do desenvolvimento mediúnico. O mediunismo profético se
generaliza, porque “o espírito se derrama sobre toda a carne”, e
a fé, iluminada pela razão, deixa o terreno primário da crença,
para elevar-se ao da convicção, através do conhecimento direto da
realidade espiritual, tão clara e positiva quanto a material.
A
mediunidade desenvolvida encoraja os apóstolos, que se mantêm em
contato com as forças espirituais, para poderem enfrentar o poder
temporal. Os mártires, os santos e os sábios encherão o mundo de
espanto, com as luzes de uma nova e vigorosa concepção da vicia,
que eleva o homem acima de si mesmo. É evidente que tudo isso não
se realiza de um dia para outro, mas através de um lento processo de
evolução social, econômica, cultural e espiritual.
58
– J.
Herculano Pires
Jesus
se chamava a si mesmo de semeador, porque conhecia o lento processo
da semeadura e germinação das ideias. Sabia, também, que os
princípios da sua doutrina, do seu ensino, teriam de sofrer as
deformações naturais desse processo. Por isso anuncia, como vemos
no Evangelho de João, a vinda do Consolador, do Paráclito, do
Espírito da Verdade, incumbido de restabelecer a pureza da seara,
separando o joio do trigo. O horizonte espiritual se abre em espirais
crescentes sobre o mundo: primeiro, num círculo restrito de
apóstolos e adeptos, oferece o modelo de uma nova ordem; depois,
espalha-se pela terra, modificando as consciências, mas
comprometendo-se com os elementos da velha ordem; por fim, domina o
mundo, mas impregnado das heranças mitológicas; e só então
consegue romper as perspectivas apocalípticas de “um novo céu e
uma nova terra”, através da Reforma e do Espiritismo. Quando os
homens atingiram o nível necessário de conhecimentos, para voltarem
à verdadeira concepção cristã, tomando-se capazes de compreender
o que o Cristo havia ensinado e o que não pudera ensinar na sua
época, segundo as suas próprias palavras, então a revolta sacudiu
a Igreja e o Espírito derramou-se fartamente sobre toda a carne.
Lutero
encarnou a luta contra o paganismo idólatra que invadira, como
terrível joio, a seara cristã. Combateu corajosamente o comércio
de indulgências. Reclamou e impôs a volta a Cristo e aos textos
esquecidos do seu Evangelho. Mas depois de Lutero viria o Espírito
da Verdade, para impor o retorno não somente à letra, aos textos, e
sim ao próprio espírito do Evangelho, à essência espiritual do
Cristianismo. E Kardec iniciaria o grande movimento doutrinário de
restabelecimento do ensino de Jesus, sob a égide da Falange do
Espírito da Verdade.
É
por isso que vemos, na propagação do Espiritismo, repetirem-se os
milagres da fé e da coragem dos cristãos primitivos. Completa-se,
com a era do Consolador, o ciclo espiritual iniciado há dois mil
anos, pelo próprio Cristo. Os mártires se entregavam às chamas e
às feras, porque sabiam existir uma realidade supra terrena, e não
apenas por crerem nessa realidade. Entre os espíritas, veremos a
mesma coisa. O escritor inglês Denis Bradley conclui o seu livro,
RUMO
ÀS ESTRELAS,
declarando peremptoriamente: “Eu não creio. Eu sei”. É essa
convicção poderosa, resultante do desenvolvimento da mediunidade
positiva, que faz o movimento espírita enfrentar todas as forças
organizadas do mundo, desde o púlpito até à cátedra, para
sustentar uma nova concepção da vida e do mundo.
Kardec
explica, em A
GÊNESE,
capítulo primeiro, por que o Espiritismo só poderia surgir em
meados do século dezenove, depois da longa fermentação dos
princípios cristãos da Idade Média e do desenvolvimento das
ciências na Renascença. Escreveu ele: “O Espiritismo, tendo por
objeto o estudo de um dos elementos constitutivos do Universo, toca
forçosamente na maioria das ciências. Só poderia, pois, aparecer,
depois da elaboração delas. Nasceu pela força mesma das coisas,
pela impossibilidade de explicar-se tudo apenas pelas leis da
matéria”. Como se vê, da conjugação dos elementos materiais e
espirituais, em evolução simultânea, resulta o clima que permite
ao mundo atingir a plenitude do horizonte espiritual, onde a
mediunidade positiva se torna a fonte de esclarecimento e orientação
dos problemas do espírito. Graças a ela, o homem se emancipa da
tutela dos ritos e cultos primitivos.
Página
57 - O
ESPÍRITO E O TEMPO - Herculano Pires
INDICE
Preliminares
– pag.
8
1ª
Parte – Fase pré-histórica – pag.
11
I
– Horizonte tribal e mediunismo primitivo
II
– Horizonte agrícola: animismo e culto dos ancestrais
III
– Horizonte civilizado: mediunismo oracular
IV
– Horizonte profético: mediunismo bíblico
V
– Horizonte espiritual: mediunidade positiva
2ª
Parte – Fase histórica – pag.
59
I
– Emancipação espiritual do homem
II
– Ruptura dos arcabouços religiosos
III
– A invasão espiritual organizada
IV
– Antecipações doutrinárias
V
– A falange do consolador
3ª
Parte – Doutrina Espírita – pag.
107
I
– O triângulo de Emmanuel
II
– A ciência admirável
III
– A filosofia do Espírito
IV
– Religião em espírito e verdade
V
– Mundo de regeneração
4ª
Parte – A prática mediúnica – pag.
157
I
– Pesquisa científica da mediunidade
II
– As leis da mediunidade
III
– Antropologia espírita