sábado, 16 de agosto de 2014

Horizontalização das relações entre o Humano e o Divino? Conceito ampliado de Rede Social, pela interação natural (sem misticismos), com os humanos não limitados pela Matéria?



 A História, que é essencialmente História do Espírito, transcorre ‘no tempo’. Assim, pois, ‘o desenvolvimento do espírito cai no tempo’. Hegel, porém, não se contenta em afirmar a ‘intratemporacialidade’ do espírito como um factum, mas trata de compreender a possibilidade de que o espírito caia no tempo, que é o ‘sensível não sensível’. O tempo há de poder acolher o espírito, por assim dizer. E o espírito há de ser, por sua vez, afim com o tempo e com a sua essência.”
HEIDEGGER, crítica de Hegel, em O SER E O TEMPO.

CAPÍTULO V
HORIZONTE ESPIRITUAL: MEDIUNIDADE POSITIVA

1 – Transcendência humana

A individualização espiritual representa o momento de transcendência humana, ou seja, aquele em que o homem supera as condições da própria humanidade. Até esse momento, ser humano é estar ligado a condições animais, diferenciando-se das outras espécies apenas pela razão. Há deuses e homens. Os deuses são entidades espirituais, superiores, que vivem nos intermúndios, gozando do privilégio da imortalidade. Os homens são criaturas efêmeras, escravizadas ao solo, “bichos da terra, tão pequenos”, segundo a expressão de Camões. Mas, quando a evolução mediúnica abre as perspectivas do horizonte espiritual, o homem descobre que ele e os deuses são semelhantes, e por isso mesmo se eleva sobre a condição humana, atingindo a divina.

Na antiguidade e na Idade Média, o dualismo humano divino se mostra bem claro. Um fenômeno mediúnico de possessão é sempre tomado como manifestação demoníaca ou sagrada. O homem, não tendo ainda atingido o horizonte espiritual, não pode conceber que o espírito comunicante seja da sua mesma natureza. Para ele, trata-se de uma entidade estranha, boa ou má. Entretanto, no horizonte profético de Israel, já aberto às perspectivas espirituais, aparecem as declarações insistentes de que os espíritos comunicantes são de natureza humana, como vemos nos casos espíritas da Bíblia, Velho e Novo Testamentos. Somente na era moderna, porém, essa compreensão irá se tornar efetiva. Porque só então o espírito humano amadureceu o suficiente, para que a promessa do Consolador, do Paráclito, do Espírito da Verdade, possa cumprir-se.

É por isso que o espírito de Charles Rosma, ao comunicar-se em Hydesville, através da mediunidade das irmãs Fox, numa família metodista, não é mais tomado como demônio ou deus, mas como o espírito de um homem. Assim aceito, Rosma pode falar do seu estado, do seu passado, e dar as indicações de sua passagem ocasional pela residência em que foi morto, bem como das condições dessa morte e dos indícios existentes no subsolo, que serão encontrados mais tarde. Rosma pode ser tomado como um exemplo do fenômeno da transcendência humana, que assinala o aparecimento concomitante da mediunidade positiva. Não encontramos mais, em Hydesville, o profeta bíblico, nem o oráculo ou o pajé, mas o médium, ou seja, o indivíduo humano que se tornou capaz de servir de intermediário entre seres espirituais e carnais, ambos da mesma natureza. Rosma, o mascate, morto na casinha de Hydesville, transcende sua condição material humana, mas continua humano no plano espiritual. De mascate, passa a espírito e como espírito se comunica, graças à mediunidade das meninas da família Fox. Já não estamos mais no plano místico e misterioso do mediunismo, mas no plano científico, racional, da mediunidade positiva.


52 – J. Her culano Pires

Vemos assim que o aparecimento do horizonte espiritual é uma decorrência natural da evolução mediúnica. Mas vemos também, como assinala Kardec em A GÊNESE, que essa evolução se realiza num contexto histórico, juntamente com a evolução mental, moral e espiritual do homem, no processo de desenvolvimento econômico social da humanidade. Sem o desenvolvimento científico, assinala Kardec, não se criaria no mundo o clima necessário à compreensão do Espiritismo:

Quando tratamos, pois, de mediunidade positiva, não fazemos abstração das condições históricas que propiciaram o seu aparecimento. Temos de encarar o problema no seu contexto, para bem compreendê-lo.

A transcendência humana que caracteriza o horizonte espiritual não significa, por isso mesmo, uma fuga ou uma deserção das condições humanas. Pelo contrário, significa o aparecimento dessas condições, permitindo a superação da animalidade e a transferência do homem para o plano antigamente reservado às divindades, fossem elas benéficas ou maléficas.

Por outro lado, essa superação não representa um passe de mágica, um fato sobrenatural, uma descontinuidade no processo histórico, mas o seu prosseguimento natural. Tornar-se divino é o próprio destino do homem. O divino, como já dissemos, é aquilo que está acima do humano, assim como o humano é o que está acima do animal. Deste ao homem há a distância de uma superação, mas essa distância não é vazia. Do homem ao divino há também uma distância, que se prolonga através de fases evolutivas bem definidas.

Podemos falar, lembrando Einstein, de um continuum do processo evolutivo, englobando matéria e espírito. Porque nesse processo não há solução de continuidade. Já vimos as fases evolutivas inferiores, em que o homem sobe, pouco a pouco, do plano biológico para o social e deste para o profético e o espiritual. Mas nos dois últimos, o profético e o espiritual, já se iniciam as fases evolutivas superiores.

Veremos como essas fases se definem no plano mental, ao analisarmos a série de concepções que constituem, no seu conjunto, o processo de transcendência ao horizonte espiritual. É pelo pensamento que o homem se eleva, supera as condições da vida humana no plano físico, atingindo as possibilidades de sublimação humana no plano espiritual. Ortega y Gasset definia o homem como um drama. Nada nos oferece melhor visão desse drama, em sua extensão e em sua profundidade, do que o estudo da evolução humana à luz dos princípios espíritas.

Página 51 - O ESPÍRITO E O TEMPO - Herculano Pires
INDICE

Preliminares – pag. 8

1ª Parte – Fase pré-histórica – pag. 11

I – Horizonte tribal e mediunismo primitivo
II – Horizonte agrícola: animismo e culto dos ancestrais
III – Horizonte civilizado: mediunismo oracular
IV – Horizonte profético: mediunismo bíblico
V – Horizonte espiritual: mediunidade positiva

2ª Parte – Fase histórica – pag. 59

I – Emancipação espiritual do homem
II – Ruptura dos arcabouços religiosos
III – A invasão espiritual organizada
IV – Antecipações doutrinárias
V – A falange do consolador

3ª Parte – Doutrina Espírita – pag. 107

I – O triângulo de Emmanuel
II – A ciência admirável
III – A filosofia do Espírito
IV – Religião em espírito e verdade
V – Mundo de regeneração

4ª Parte – A prática mediúnica – pag. 157

I – Pesquisa científica da mediunidade
II – As leis da mediunidade
III – Antropologia espírita


Bibliografia – pag. 194

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