sábado, 16 de agosto de 2014

O CULTO CRISTÃO - O culto exterior do Cristianismo Oficial contrasta flagrantemente com o culto interior do Cristo e do Cristianismo apostólico


V - O CULTO CRISTÃO

Páginas 22 a 24 de Revisão do cristianismo

     Há uma diferença fundamental entre o culto das antigas religiões agrárias e pastoris e o culto cristão. Todo o ritual do culto daquelas religiões nasceu dos ritmos da Natureza, enquanto os rituais do culto cristão tiveram de ser derivado daqueles e não raro inventado. Disso resulta um problema de legitimidade que tem provocado incessantes disputas e violentas condenações. A revolta luterana, que desencadeou a Reforma, foi um dos momentos mais críticos dessa busca da legitimidade e provocou o movimento da Contra-Reforma. Lutero preconizou a volta a Cristo, com a extinção de todos os acessórios adotados pela Igreja através de mais de um milênio de invenções bastardas. Porque o Cristianismo havia sido precisamente uma reforma do Judaísmo, visando à depuração do culto judaico, que atingira, na fase dominante do Farisaísmo, a mais espantosa saturação de normas e formas para a relação do homem com Deus. 

    Jesus, nascido judeu, formado na educação judaica das sinagogas, condicionado pela tradição bíblica, mostrou-se desde o início do seu ministério espiritual um revolucionário e um crí-tico rigoroso das exterioridades rituais e comerciáveis do Templo de Jerusalém. Não se submeteu a nenhuma ordenação oficial, preferindo agir como um rabino popular independente, violando as leis do rabinato e condenando-as francamente. Não instituiu fórmulas novas e nem fundou qualquer igreja. Assim, os cristãos formalistas, apegados ao passado, viram-se em dificuldades para restabelecer um culto cristão, tendo de apelar para a adaptação de certas expressões evangélicas aos seus objetivos. Centralizou-se o culto na pessoa de Jesus Cristo como único salvador da humanidade, único intercessor do homem junto a Deus, fundamentando-se a fé na expressão alegórica do Batista, que chamou Jesus de Cordeiro de Deus.

O culto cristão ligou-se assim aos cultos agrários e pastoris, revelando suas raízes na alegoria do Cordeiro. Mas esta alegoria não se refere aos cultos ancestrais, e sim aos sacrifícios de animais no Templo de Jerusalém. Jesus seria o cordeiro ritual que o próprio enviara à Terra para ser sacrificado em seu louvor, a fim de que o sangue do sacrifício lavasse os pecados da humanidade. Há tanta incongruência nesse mito que fundamenta o culto cristão, quanto nos demais que se desenvolvem posteriormente. Até mesmo dos ritos fálicos dos tempos mais remotos foi tirado o modelo do hissope para a aspersão da água benta, uma prática mágica de fecundação da terra para a semeadura, segundo o processo da fecundação animal e humana.

Jesus combateu a magia e os mitos, mas o Cristianismo se organizou na sistemática mitológica e acabou transformando o próprio Mestre em mito. O rito do batismo era uma prática muito difundida na Palestina, segundo mostra Guignebert, e provinha das religiões ancestrais dos cananeus. João Batista nada mais fazia do que usar essa prática para ajudar as criaturas a se modificarem, certas de que a água do Jordão não lhes lavara apenas o corpo, mas também a alma. Por isso os batizados com água eram aplicados a pessoas adultas, que deviam compreender a necessidade de iniciar uma vida nova para agradar a Deus. Esse ato folclórico, simples e puro, foi transformado no culto cristão num processo mágico de purificação espiritual, destinado a lavar a mancha do pecado original de Adão e Eva da almazinha inocente das crianças recém-nascidas. Mas que pecado era esse? O da desobediência, que a serpente transmitira a Eva e esta a Adão. No entanto, a desobediência da criança, como a dos animais, não pode apagar-se com palavras, água e sal, porque é uma consequência natural do desenvolvimento dos instintos vitais que levam os animais e o homem à busca de satisfação de suas necessidades orgânicas.

Talvez por isso inventou-se também o rito da crisma como confirmação do batismo, que por si só se mostrava impotente contra o pecado original. O padre batiza, o bispo, seu superior hierárquico, dá o sacramento da crisma. E apesar de todo o aparato do culto exterior e de toda a sofística da justificação teológica, a criança não cede nada em sua desobediência salutar e necessária. Não só as formas sacramentais se revelam vazias, mas também os supostos poderes da hierarquia sacerdotal. Além disso, as igrejas se esqueceram das palavras seguintes do Batista, que restringem o batismo da água ao seu ministério individual, anunciando que o Cristo batizaria no fogo e no espírito. E também se esqueceram do episódio do Apóstolo Pedro no porto de Jope, quando afirmou, na casa do centurião romano Cornélios, que o batismo do espírito não dependia de nenhum rito sacerdotal.

A Missa, como assinala Blavatsky, é a antiga ceia das ordens ocultas dos Mistérios mitológicos, das cerimônias maçônicas, transformadas numa encenação mágica do Cristianismo. As procissões sagradas do Corpo de Deus derivam de adaptações egípcias do Culto de Osíris, esquartejado e depois ressuscitado. As procissões comuns dos santos em andores floridos imitaram as procissões romanas dos deuses-lares, dos manes, antepassados das grandes famílias romanas cultuados pelos descendentes.

A extrema-unção é a revivescência das unções piedosas dos cadáveres com óleos rituais, que no Egito chegou ao extremo da mumificação, num apego desesperado e anticristão ao corpo carnal. O latim, língua do Império dos Césares, mantinha o prestígio dos ritos e do sacerdócio, pois a linguagem misteriosa, que ninguém mais compreendia, resguardava o poder secreto de um mundo morto, mas fabuloso. O pensamento mágico, natural nas populações bárbaras que derrubaram o Império das Messalinas. E o pensamento racional do Cristo, que tudo explicava e esclarecia, era deformado pelas interpretações teológicas que alimentadas pela fascinação do desconhecido e particularmente do sobrenatural: As vestes sacerdotais, pesadas e solenes, herdadas de cultos orientais que invadiram a Europa, e a coroa recortada no couro cabeludo dos padres, representando o disco solar das religiões pagãs, guardava o poder das clareiras abertas no mistério das florestas profundas e escuras.

A imaginação mítica da população bárbara embriagava-se com esses ingênuos artifícios que, na verdade, constituíam a mais atrevida e completa deformação da mensagem cristã. Hoje, quem assiste a uma missa na linguagem atual de qualquer nação moderna sente logo a sensação de uma representação teatral ingênua, desprovida de toda a grandeza imaginária do passado. Um teatrólogo moderno poderia elaborar um texto melhor para a recitação ingênua dos párocos, que não obstante se julgam dotados do poder de evocar a Deus em carne e sangue, na pessoa do Cristo, e fazê-lo encarnar na hóstia, sem que Ele (Deus) possa recusar-se a isso.

Não queremos ridicularizar a crença simples do povo, que ainda hoje carrega as suas pesadas cargas de superstição e magia, mas apenas mostrar, com estes dados recolhidos da pesquisa histórica mundial, em plano universitário, que o chamado Cristianismo oficial necessita de uma revisão imediata para poder entrosar-se na cultura contemporânea. Todo esse gigantesco fabulário que fez de Jesus de Nazaré um mito absurdo, alimentando ainda hoje as mais sangrentas lutas religiosas no mundo, tem de ser desmontado para que o Cristo reapareça na sua realidade humana e racional, retomando o seu lugar entre os homens.

A mensagem cristã, na sua pureza primitiva, tem um poder muito maior que o de todo esse amontoado de coisas heterogêneas e encenações antiquadas. Sua finalidade não é fascinar os homens e dominá-los pela paixão do mistério, mas esclarecê-los e transformá-los pela visão real do mundo e da vida. No momento em que a Ciência penetra na intimidade da matéria, revelando os segredos da sua estrutura, e rompe os limites do pequenino e pobre planeta que habitamos, para mostrar-nos a grandeza do Cosmos e a possibilidade humana de devassá-lo e conquistá-lo, o apego das populações civilizadas a esse amontoado de superstições e crendices só pode favorecer, como está favorecendo, o desenvolvimento da descrença e do materialismo em todo o mundo.

O tabu do sagrado, elaborado e entretecido em filigranas mentais, gerando uma terminologia fantasiosa, em que as palavras perdem o sentido da comunicação para se tornarem perigosas formas de vetores psicoemocionais, sufocando a razão e impedindo o entendimento, não pode subsistir sem graves ameaças numa hora de acelerado desenvolvimento cultural. Nossa submissão a essa herança mágica equivale a um suicídio coletivo, que já nos ameaça com os fantásticos arsenais de armas atômicas.

Não se trata de ameaça divina, mas humana. De castigo do Céu, mas de traição terrena. De respeito ao passado, mas de acomodação egoísta no presente. Porque o passado real foi desfigurado e aviltado nas aras da ignorância e dos interesses imediatistas. O passado real está na Verdade Cristã.

O culto exterior do Cristianismo Oficial contrasta flagrantemente com o culto interior do Cristo e do Cristianismo apostólico. Jesus condenou os fariseus que se vestiam de roupagem pomposa e se punham a orar nas esquinas de Jerusalém para serem vistos e admirados. Desrespeitou as regras de pureza que ordenavam lavar as mãos para sentar-se à mesa, sem prescrever a pureza do coração. Permitiu que os discípulos famintos apanhassem espigas de trigo no campo, em pleno sábado, para se alimentarem. Fez curas no sábado e lembrou que o mais zeloso judeu não deixaria de salvar sua ovelha caída num buraco no dia de sábado. E por fim perguntou se o sábado havia sido feito para o homem ou o homem para o sábado.

Sua posição contra os mitos, os dogmas, os ritos, as prescrições formais e todo o formalismo está bem definido nos textos evangélicos, ressaltando como água pura entre os elementos impuros da influência mitológica sobre os redatores tardios dos textos. Na parábola do trigo e do joio revelou sua plena consciência de que o seu ensino seria deturpado e precisaria mais tarde ser restabelecido em espírito e verdade.

Mas o comodismo, o egoísmo, o interesse inferior pelas coisas terrenas, a preguiça mental, a covardia — todas essas anti-virtudes da espécie consolidaram no tempo as posições vantajosas do anti-Cristo, dando a este o domínio do mundo. Ainda recentemente o Papa atual, na investidura sagrada da sua santidade oficial e da sua infalibilidade abismal, declarou: "Quem não acredita no Diabo não é cristão". O que se sabia até agora é que não é cristão quem não acredita no Cristo. Essa espécie de qualificação da fé às avessas exemplifica bem a inversão da mentalidade cristã através da sedimentação do formalismo em quase dois mil anos de apego ao culto exterior.

 É um processo de alienação em que os cristãos se entregaram à matéria, às coisas e aos objetos. Em consequência, o Cristianismo também se fez objeto, e o que é pior, objeto de especulações em todos os campos da mundanidade. As formas se esvaziaram. Quando hoje se fala no Reino de Deus entende-se Reino da Terra. Quando se fala no Cristo, pensa-se num mito. A fé projetou-se nas coisas, segundo as leis do animismo primitivo dos selvagens e das crianças. O culto cristão não é de entidades espirituais, mas de ídolos materiais carregados se supostos poderes transferidos a imagens e símbolos. Esse processo de transferência anímica esvaziou também os crentes, transformando a fé antiga em crença supersticiosa na trepidação dos tempos novos em que a máquina (também coisa, objeto) sobrepõe-se ao homem. A prova maior desse esvaziamento, em que o pneuma, ou espírito, afastou-se da criatura está na desumanidade contemporânea, em que se luta pelas coisas aniquilando o homem. O valor humano desaparece tragado pelo valor excessivo das coisas.

A revisão do Cristianismo é hoje uma exigência da própria sobrevivência humana. Embriagado pelas conquistas materiais, o homem se deixa arrastar pelas coisas, coisificando-se a si mesmo. As ideias materialistas o levam a considerar a existência terrena como um jogo de forças cegas em que só vale o mais forte. E como a força também não está mais no homem, transferiu-se para as máquinas e seus combustíveis, para as armas e seus explosivos, o próprio homem se transfere, já não apenas animicamente, mas de corpo inteiro, para o mundo das máquinas. Mecaniza-se.

A visão cristã do mundo mudou-se em visão diabólica. Transformando Jesus de Nazaré em mito, o homem se transformou em robô. A ingenuidade da pragmática norte-americana ainda envia cosmonautas à Lua. Os soviéticos, apegados à práxis marxista, preferem enviar tratores de controle remoto, que lhe trazem as pedras lunares com menos complicações e menos perigo. O espírito de aventura dos norte-americanos não resiste ao desafio do Cosmos. O espírito prático dos russos, num processo de industrialização mais recente, não resiste ao fascínio da mecânica. Mas se os americanos continuam apegados às suas seitas cristãs e os russos ao materialismo marxista, no fundo se encontram e se conjugam na mesma alienação do homem à máquina.

Tagore assinalou a transformação da antropofagia selvagem à civilizada, mostrando que os homens atuais se entredevoram na selva selvaggia dos lucros e dos juros. Crianças esquálidas, nos arredores de metrópoles suntuosas, tiveram seu sangue sugado pelos vampiros insaciáveis do lucro. Os campos de trabalhos forçados da URSS são máquinas de vampirização montadas pelo Estado. O misticismo russo também se transferiu para o fanatismo político estatal. Na própria índia mística, os gurus montaram suas indústrias de espiritualidade enlatada. Santiniketan, a Universidade espiritual de Tagore, é hoje um centro de política universitária voraz, como disse o Dr. Barnejee. A política espiritual de Gandhi, o Mahatma cedeu lugar à política da violência, dirigida por uma mulher.
O processo de inversão dos polos projeta-se em todo o mundo. A China entregou-se ao materialismo e à massificação cultural, eliminando os últimos resquícios das tradições espirituais. Na África negra tudo foi mais fácil. Bastou o afastamento dos brancos para que os negros revelassem o que aprenderam com eles para multiplicar sua autodestruição. E Israel, que rejeitou o Cristo desde o princípio, conseguiu reorganizar-se na base das tradições da raça, mas agora em ritmo de 007, violando todos os princípios do Direito Internacional para mostrar a dureza interior dos sabras, esses frutos do cactus do deserto, prontos a revelar suas habilidades mecânicas.
      A coincidência de todas essas modificações no mundo é significativa, como se diz na linguagem parapsicológica. O panorama mundial reflete a inversão de valores produzida pela deformação milenar do culto cristão. Porque a verdade é que o Cristianismo envolveu todo o mundo, pelo seu poder de expansão e contaminação, no fluxo de transformações deflagrado pelas palavras do Cristo. O mundo cristão desequilibrado, com sua polaridade invertida, desequilibrou todo o planeta. Ou reequilibramos esse mundo, restabelecendo a verdade cristã, ou pereceremos com ele.

O sabra (em hebraico צבר, pronuncia - se tsabar) é uma fruta que cresce nos cactus dos territórios de Israel e da Palestina.

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