sábado, 16 de agosto de 2014

Jesus assinala o aparecimento do Horizonte Espiritual, da Fraternidade Cósmica - Como Pai Universal, o antigo Javé tribal atinge dimensões cósmicas, é o Deus dos homens e dos anjos, da terra e das “outras moradas” que existem no infinito


Da conjugação dos elementos materiais e espirituais, em evolução simultânea, resulta o clima que permite ao mundo atingir a plenitude do horizonte espiritual, onde a mediunidade positiva se torna a fonte de esclarecimento e orientação dos problemas do espírito. Graças a ela, o homem se emancipa da tutela dos ritos e cultos primitivos.

4 – Mediunidade positiva

Jesus assinala o aparecimento do horizonte espiritual, marcando o início de um novo ciclo histórico no Ocidente. Com o seu ensino, amplamente divulgado e aceito, as grandes concepções do passado, limitadas a pequenos círculos de iniciados ou eleitos, modelam uma nova mentalidade coletiva. O Deus Pai de Jesus transcende o Deus Familiar de Abrão, Isaac e Jacó, supera a natureza tutelar dessa concepção judaica. Por isso, o Deus evangélico não é guerreiro, mas amoroso e justo; não faz discriminações, não exige culto externo, não quer intermediários. Como Pai Universal, o antigo Javé tribal atinge dimensões cósmicas, é o Deus dos homens e dos anjos, da terra e das “outras moradas” que existem no infinito.

Paulo, que exemplifica o drama da transição da consciência judaica para a cristã, adverte que Deus não deseja cultos externos, semelhantes aos dedicados às divindades pagãs, mas “um culto racional”, em que o sacrifício não será mais de plantas ou animais, mas da animalidade, ou seja, do ego inferior do homem. A religião se depura dos resíduos tribais, despe-se dos ritos agrários e da complexidade que esses ritos adquiriram no horizonte civilizado. Torna-se espiritual. Os próprios apóstolos do Cristo não compreendem de pronto essa transição. Pedro chefia o movimento que Paulo chamou “judaizante”, tendendo a fazer do Cristianismo uma nova seita judaica. Mas Paulo é a flama que mantém o ideal do Cristo. Inteligente e culto, é um dos poucos homens capazes de compreender a nova hora que surge, e por isso o Cristo o retira das hostes judaicas, para colocá-lo à frente do movimento cristão. A religião espiritual, desprovida de culto externo, iluminada pela razão, individualiza-se.

O cristão não precisa do sacramento de um sacerdote, do beneplácito de unia igreja, mas tão somente da pureza da sua própria consciência. O rito do batismo, que Pedro exige dos novos adeptos, juntamente com a circuncisão, repugna a Paulo, que o substitui pelo “batismo do espírito”, ou seja, a elucidação evangélica, seguida do desenvolvimento mediúnico. O mediunismo profético se generaliza, porque “o espírito se derrama sobre toda a carne”, e a fé, iluminada pela razão, deixa o terreno primário da crença, para elevar-se ao da convicção, através do conhecimento direto da realidade espiritual, tão clara e positiva quanto a material.

A mediunidade desenvolvida encoraja os apóstolos, que se mantêm em contato com as forças espirituais, para poderem enfrentar o poder temporal. Os mártires, os santos e os sábios encherão o mundo de espanto, com as luzes de uma nova e vigorosa concepção da vicia, que eleva o homem acima de si mesmo. É evidente que tudo isso não se realiza de um dia para outro, mas através de um lento processo de evolução social, econômica, cultural e espiritual.

58 – J. Herculano Pires

Jesus se chamava a si mesmo de semeador, porque conhecia o lento processo da semeadura e germinação das ideias. Sabia, também, que os princípios da sua doutrina, do seu ensino, teriam de sofrer as deformações naturais desse processo. Por isso anuncia, como vemos no Evangelho de João, a vinda do Consolador, do Paráclito, do Espírito da Verdade, incumbido de restabelecer a pureza da seara, separando o joio do trigo. O horizonte espiritual se abre em espirais crescentes sobre o mundo: primeiro, num círculo restrito de apóstolos e adeptos, oferece o modelo de uma nova ordem; depois, espalha-se pela terra, modificando as consciências, mas comprometendo-se com os elementos da velha ordem; por fim, domina o mundo, mas impregnado das heranças mitológicas; e só então consegue romper as perspectivas apocalípticas de “um novo céu e uma nova terra”, através da Reforma e do Espiritismo. Quando os homens atingiram o nível necessário de conhecimentos, para voltarem à verdadeira concepção cristã, tomando-se capazes de compreender o que o Cristo havia ensinado e o que não pudera ensinar na sua época, segundo as suas próprias palavras, então a revolta sacudiu a Igreja e o Espírito derramou-se fartamente sobre toda a carne.

Lutero encarnou a luta contra o paganismo idólatra que invadira, como terrível joio, a seara cristã. Combateu corajosamente o comércio de indulgências. Reclamou e impôs a volta a Cristo e aos textos esquecidos do seu Evangelho. Mas depois de Lutero viria o Espírito da Verdade, para impor o retorno não somente à letra, aos textos, e sim ao próprio espírito do Evangelho, à essência espiritual do Cristianismo. E Kardec iniciaria o grande movimento doutrinário de restabelecimento do ensino de Jesus, sob a égide da Falange do Espírito da Verdade.

É por isso que vemos, na propagação do Espiritismo, repetirem-se os milagres da fé e da coragem dos cristãos primitivos. Completa-se, com a era do Consolador, o ciclo espiritual iniciado há dois mil anos, pelo próprio Cristo. Os mártires se entregavam às chamas e às feras, porque sabiam existir uma realidade supra terrena, e não apenas por crerem nessa realidade. Entre os espíritas, veremos a mesma coisa. O escritor inglês Denis Bradley conclui o seu livro, RUMO ÀS ESTRELAS, declarando peremptoriamente: “Eu não creio. Eu sei”. É essa convicção poderosa, resultante do desenvolvimento da mediunidade positiva, que faz o movimento espírita enfrentar todas as forças organizadas do mundo, desde o púlpito até à cátedra, para sustentar uma nova concepção da vida e do mundo.

Kardec explica, em A GÊNESE, capítulo primeiro, por que o Espiritismo só poderia surgir em meados do século dezenove, depois da longa fermentação dos princípios cristãos da Idade Média e do desenvolvimento das ciências na Renascença. Escreveu ele: “O Espiritismo, tendo por objeto o estudo de um dos elementos constitutivos do Universo, toca forçosamente na maioria das ciências. Só poderia, pois, aparecer, depois da elaboração delas. Nasceu pela força mesma das coisas, pela impossibilidade de explicar-se tudo apenas pelas leis da matéria”. Como se vê, da conjugação dos elementos materiais e espirituais, em evolução simultânea, resulta o clima que permite ao mundo atingir a plenitude do horizonte espiritual, onde a mediunidade positiva se torna a fonte de esclarecimento e orientação dos problemas do espírito. Graças a ela, o homem se emancipa da tutela dos ritos e cultos primitivos.


Página 57 - O ESPÍRITO E O TEMPO - Herculano Pires
INDICE

Preliminares – pag. 8

1ª Parte – Fase pré-histórica – pag. 11

I – Horizonte tribal e mediunismo primitivo
II – Horizonte agrícola: animismo e culto dos ancestrais
III – Horizonte civilizado: mediunismo oracular
IV – Horizonte profético: mediunismo bíblico
V – Horizonte espiritual: mediunidade positiva

2ª Parte – Fase histórica – pag. 59

I – Emancipação espiritual do homem
II – Ruptura dos arcabouços religiosos
III – A invasão espiritual organizada
IV – Antecipações doutrinárias
V – A falange do consolador

3ª Parte – Doutrina Espírita – pag. 107

I – O triângulo de Emmanuel
II – A ciência admirável
III – A filosofia do Espírito
IV – Religião em espírito e verdade
V – Mundo de regeneração

4ª Parte – A prática mediúnica – pag. 157

I – Pesquisa científica da mediunidade
II – As leis da mediunidade
III – Antropologia espírita

Bibliografia – pag. 194 

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